Compromissos profissionais conduziram-me a África durante vários meses no início de 2009, mais especificamente à costa ocidental africana e Golfo da Guiné, tendo a oportunidade, nesse périplo, de visitar, entre outros países, o Gana, os Camarões, o Gabão e o Senegal. Relato aqui, de forma sumária, as minhas parcas experiências relacionadas com a pesca submarina nestes quatro países: desta vez é sobre os Camarões.


Kribi, CAMARÕES

Após a Pesca em Busua Beach, praia tropical a Oeste de Sekondi-Takoradi, no Gana, esperava agora, nos Camarões, arranjar disponibilidade para poder realizar o meu “2º round” de pesca submarina em África…, e, de facto, mais uma vez lá consegui molhar o fato. Molhar o fato é mesmo uma força de expressão, porque com a temperatura da água só vesti as calças e na parte de cima enverguei simplesmente uma t-shirt!

Nos Camarões, viajei de Limbe, pequena cidade costeira junto ao Monte Fako (conhecido também como Mount Cameroun, a segunda maior montanha de África Ocidental, com 4070 metros a apenas 95 metros do Monte Atlas), até uma pequena cidade turística no sul do país, chamada Kribi para tentar fazer aí pesca submarina. Comigo seguiam dois parceiros de trabalho: um Americano e outro Nigeriano, o primeiro preparado para mergulhar comigo, o segundo com mais medo de água que gato escaldado!
O local é lindíssimo, situado no sul do país em plena zona de floresta tropical ou “rain forest” na terminologia anglo-saxónica, território ainda habitado, no interior, por grupos de pigmeus. O litoral é turístico, não no sentido em que se poderia utilizar a palavra no nosso Algarve, mas sim no sentido de que tem boas condições para o turismo e algumas facilidades para alojamento com condições bastante decentes. As suas maiores atracções são a simpatia das gentes, a gastronomia baseada no peixe grelhado e, principalmente, aquilo que nos trouxe aqui, as belas praias tropicais de água translúcida, perladas de coqueiros e rasgadas por rochedos aqui e acolá.
Mas assim que chegámos à vista do mar, oh desilusão, de translúcida a agua não tinha nada, estava completamente castanha… Já tinha começado a época das chuvas e, havendo ali muitos rios, ao longo de toda a costa não havia qualquer condição para pescar.
Já começava a pensar em desistir da pesca submarina quando vi uma venda de peixe na praia e decidi ir ver o pescado e tirar algumas fotografias: eram “carpes rouges” (Lutjanus goreei chamadas em S. Tomé e Principe de Corvinas e em Angola de Pargos Lucianos) já de bom tamanho entre os 3 e os 8 kg. Aí encetei uma conversa com um pescador local que me disse que a
àgua para fora das 10 braças se encontrava limpa e que esses eram os fundos melhores para encontrar as ditas “carpes rouges”. Imediatamente lhe perguntei se era possível ir pescar com ele, pagando-lhe o combustível e dando-lhe todo o peixe que pescasse, excepto um que ficaria para nós comermos. A resposta foi afirmativa, mas, por indisponibilidade do pescador nesse dia, combinámos apenas para o dia seguinte pela manhã.
Mal podendo esperar, resolvemos aproveitar o tempo para conhecer a terra. Fomos visitar o Parque Natural de Campo-Ma’an, santuário de gorilas e de outras espécies da Floresta Tropical Africana, tendo ainda tido tempo para subir em canoa o rio La Lobe para visitar uma pequena aldeia de Pigmeus.


1. Subida do rio La Lobe de canoa; Chukwuma: “não sei por que é que te estas a rir, isto não me parece lá muito estável” .


2. Na aldeia dos pigmeus.


3. A “chute de la Lobe” ao fundo

Finalmente às oito da manha do dia seguinte lá estávamos no local combinado, eu e os meus dois parceiros, o Americano, e o Nigeriano, este já disposto a ir na embarcação, mas apenas após muitas insistências. Os nossos amigos pescadores já nos aguardavam e tinham tudo pronto para partirmos. Eram dois simpáticos irmãos que fazem vida do mar e que nos conduziram de forma inexcedível. À última da hora o estado de conservação dos coletes não agradou ao meu amigo Chukwuma Azuike, da Nigéria, e este roeu a corda, ficando em seco.

Seguimos para o mar e após breve concílio com o David, o mais velho dos nossos amigos Camaroneses, experimentado pescador de 45 anos, decidimos ir primeiro às baixas das “carpes rouges” e depois ir tentar a sorte numas baixas mais por fora visando eventualmente a captura de alguns pelágicos.
O meu objectivo pessoal era, se possível, apanhar um troféu, procurando também diversificar as espécies capturadas. Claro que, de uma forma ou de outra, tentaria apanhar os maiores exemplares do peixe que visse, pois tínhamos uma “dívida” a pagar aos pescadores e não podíamos deixá-los ficar mal: tinha que apanhar peixe que fizesse valer a pena a saída connosco!

Perdemos algum tempo em sondagens com prumo de mão (escusado será dizer que essa era a única sonda disponível) até dar com algumas baixas. Eram pedras com perto de 4 a 5 metros de altura, rodeadas de areia, em fundos com cerca de 16 a 20 metros. Com efeito as “carpes rouges” lá estavam em pequenos cardumes à volta das pedras, as mais pequenas mais confiantes, as maiores mais esquivas e mais fundas. Havia outros pequenos cardumes de outros peixes aproximadamente do mesmo tamanho e que eu só compreendi serem diferentes após capturar o primeiro: eram de um castanho acinzentado com a boca parecida com os nossos enxaréus, e já me esqueci do nome que os pescadores lhes chamavam, mas posteriormente descobri serem chamados de “Diagramme à Grosses Lévres” ou “Carpe de Mer” (Plectorhinchus macrolepis). A àgua à superfície estava muito limpa, mas turvava ligeiramente perto do fundo, por isso utilizei a minha espingarda de 90 com dois elásticos e carreto, que se provou uma escolha adequada para estas condições e para a pesca por “agachon” junto ao fundo.


4. Chukwuma: “com coletes destes não me apanham lá!”


5. O nosso amigo David

Já não mergulhava desde o Gana e aí foi num fundo bastante baixo, por isso, agora aqui, tive dificuldades em compensar, não os tímpanos, mas os seios frontais. Apesar disso, inadvertidamente exagerei um bocado a velocidade de descida para o fundo e, como resultado, fiz um pequeno barotraumatismo no seio frontal direito que me fez sangrar do nariz. Posteriormente mergulhei mais devagar e o seio desobstruiu-se não me voltando a trazer problemas, mas sempre ia sangrando do nariz.

Neste local apanhei dois destes peixes que descrevi, as “Carpe de Mer”, a maior com 6 kg, uma “carpe noire” (Lutjanus agennes, outro tipo de Pargo luciano) com 7 kg e três “carpes rouges” a maior das quais com 13 kg.

Estava já satisfeito com as capturas, contudo, tinha ainda mais uma carta a jogar nas baixas mais por fora. Aí a agua estava verdadeiramente limpa. Imediatamente ao chegar e entrar na água um cardume de pequenos Carangídeos (julgo que Caranx Hippos, chamados em S. Tomé e Principe de Corcovados e em Moçambique de Charéus-macôa) veio observar-nos, podiam ainda ver-se uns maiores mais fundos e menos confiantes. Aqui o fundo seria perto de trinta metros e o objectivo era fazer esperas a meia agua tentando aproximar-nos a algum destes maiores Caranx. Aqui utilizei a Pelaj de 120 com o tubo de mangueira, e esta mostrou as suas qualidades. Ao contrario do que eu tinha percepcionado no Gana, não se mostrou excessivamente pesada, antes precisa e com a potencia necessária para este tipo de pesca. À terceira tentativa consegui aproximar-me o suficiente de um carangídeo com 7 kg, o qual arpoei. Estes peixes têm uma forca considerável e dão muita luta, mesmo atendendo ao tamanho relativamente modesto do exemplar arpoado. A sua luta atraiu um grande tubarão que evoluía sobre a baixa sempre seguido na “alheta de estibordo” por um grande carangídeo. Não consegui perceber de que espécie seria o tubarão apesar de não lhe conseguir tirar os olhos de cima. Felizmente, algum tempo depois, simplesmente desapareceu no azul, tal como tinha aparecido, o que me deixou bastante mais tranquilo. O meu amigo americano, Augustus Vogel, pegou na minha arma de 90 com carreto e conseguiu também arpoar um carangídeo. Seguidamente, quando voltava à superfície, depois de tentar aproximar-se de outro carangídeo, deu de caras com duas grandes cobias que evoluíam perto da superfície, entusiasmou-se e arpoou uma delas, mas deu-lhe tanto fio que ela foi directamente para o fundo e meteu-se num qualquer buraco. Todas as tentativas foram impotentes para a desalojar, resultado: perdi o arpão e largos metros de fio.
Neste local apanhei ainda mais um carangídeo com 5 kg e, mesmo no final, consegui aproximar-me de uma boa barracuda que arpoei e consegui apanhar após uma valente luta. Felizmente o tubarão não voltou a dar a cara aquando desta luta, o que era o meu principal receio. A barracuda, essa, tinha 14 kg.


6. Carpe noir: esta foi o nosso jantar.


7. Uma boa “carpe rouge”; estou com um corrimento nasal um bocado esquisito


8. Um Caranx Hippos logo após a captura


9. Barracuda: esta já cá canta


10. Perspectiva do fundo nos camarões

Agachon aos pargos lucianos (dos maiores só se vê a silhueta mais ao fundo)


12. Barracuda


13. A maior “carpe rouge” (pargo luciano) que eu apanhei


14. Duas “carpe de mer”


15. Uma “carpe rouge” e uma “carpe noir” (mais dois lucianos).

Eram duas da tarde quando decidimos rumar a terra, cansados, mas satisfeitos. Nós e também os nossos amigos, pois tinham peixe suficiente para fazerem um bom negocio (aqui não é proibida a venda do peixe proveniente da pesca submarina). O peixe começou logo a ser negociado, precisamente no mesmo local onde tudo começou: o mercado na praia.

Foi escolhida a “carpe noire” para ser comida ao jantar, tendo-se logo prontificado o nosso amigo David para a cozinhar grelhada na brasa.
Foi cozinhada e comida mesmo ali ao pé da praia. Estava simplesmente deliciosa, acompanhada com plantain frito (é uma espécie de banana) e umas boas cervejas dos Camarões (aqui a cerveja é muito boa)!

Não havia melhor maneira de terminar um belíssimo dia, do que com uma excelente refeição, bem regada, degustada junto ao mar, ao pôr-do-sol e entre amigos!!!

António Mourinha

(P.S.: para quem for aos Camarões e mais especificamente a Kribi e estiver interessado em fazer pesca submarina vai aqui o contacto do meu amigo David, que certamente vos receberá bem: +237 99 51 36 47)

16. A venda do peixe é logo de seguida.

17. Aí está ela, na brasa…

18. Eu sei, estou a comer com as mãos… mas “em Roma sê Romano”!